Foi publicado neste
sábado, dia 18/01/2014, no site do Jornal GGN, a história do Helicóptero do Pó e não poderia deixar de publicar.
Vejam:
Transcrevo abaixo
um post que traz uma descrição detalhada da investigação e operação que
apreendeu o famigerado “helicóptero do pó”. O responsável pela operação, o
agente federal Rafael Rodrigo Pacheco Salaroli — o Pacheco -, dá entrevista ao
site Vice.com.
Pacheco
age como um policial prudente e responsável, que se recusa a fazer qualquer
acusação sem prova. Mas ele observa que há várias perguntas sem resposta. A
fazenda onde o helicóptero pousou, no Espírito Santo, fora comprada há pouco por
um laranja. É preciso saber pra quem o laranja trabalha. Pacheco observa ainda
que a operação era um tanto tosca e amadora, apesar da quantidade incrível de
dinheiro e droga envolvidos. A explicação, segundo ele, é que esse tipo de
operação costuma acontecer de maneira “fragmentada”, com núcleos independentes
que não se conhecem entre si. Daí acontece de se trabalhar com grupos amadores.
POLICIAL CONTA COMO
APREENDEU O HELICÓPTERO DO PÓ
By
Roger Franchini; Ilustração por Daniel W., no site Vice.com
Ao longo de um mês,
conversei com o agente federal Rafael Rodrigo Pacheco Salaroli — o Pacheco —
sobre uma de suas rotineiras apreensões de cocaína no meio do mato.
Com
38 anos, lotado na Delegacia de Repressão à Entorpecentes de Vitória/ES,
Pacheco é formado em Ciências Sociais, com mestrado em Inteligência Policial e
Políticas Públicas. Trabalha como policial há 21 anos — sendo nove desses na
Polícia Federal — e foi um dos responsáveis pela operação polêmica que
apreendeu quase meia tonelada de pó no helicóptero do deputado estadual Gustavo
Perrella (SDD-MG), filho do senador Zezé Perrella (PDT-MG), ambos aliados do
governador de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB), em novembro do ano passado.
O
objetivo da entrevista era reconstruir toda a investigação que culminou no
flagrante, mas acabei por ter uma aula sobre como encontrar grandes quantidades de entorpecentes e
aprender muita coisa sobre a hipócrita relação entre o imediatismo
irresponsável da imprensa e os órgãos policiais. Um bate-papo na copa da
delegacia.
Cocaína apreendida.
Todas as fotos são cortesia do entrevistado.
VICE:
Como as investigações deste caso começaram?
Pacheco: Nós já tínhamos uma diversidade enorme de informes; você foi policial,
então sabe o que é isso, ou seja, uma informação que chega até nós, mas que ainda
não se confirmou. Um informante, aquela conversa com o preso depois do
depoimento, mas que não se quer registrar… É aquele dado que você não
confrontou com a realidade. Pois bem, tínhamos alguns informes aqui dando conta
da utilização de pequenos aviões nessa região.
Quando foi isso?
Em meados de novembro [de 2013], a P2 [órgão interno
das polícias militares, formado por homens à paisana e viaturas
descaracterizadas, ligado à Corregedoria da instituição para fiscalizar
infrações administrativas dos policiais, muito embora, às vezes, realizem
trabalhos de polícia investigativa, tal qual a Polícia Civil e Federal, além de
serviço de inteligência para os governos estaduais] da Polícia Militar do
Espírito Santo nos perguntou se sabíamos algo de estranho envolvendo fazendas
da região. Havia chegado até eles a notícia da compra de um imóvel de forma
muito estranha: uma pequena propriedade, que não valeria mais do que R$ 200 mil
reais, teria sido comprada por R$ 500 mil reais, à vista, na região de
Brejetuba. Fomos a campo e começamos a coletar informações. E o que nos foi
dito naquela comunidade? “Olha, os caras pagaram esse preço à vista, chamou
muita atenção, chamou tanta atenção que até eu quis vender minha propriedade,
porque o preço está muito acima do mercado”. Os caras compram essa fazenda e
não a ocupam. São pessoas que não se identificavam com a atividade da
agricultura. Os moradores locais nos diziam assim: “os caras são muito
doidões”.
Vocês já sabiam o
nome da pessoa que havia comprado a fazenda?
Não. A experiência que a gente traz de outras situações é que essa transação
imobiliária não poderia ter passado por uma formalidade cartorial. Fazer um
contrato de compra e venda sem registro…
Um contrato de
gaveta?
Sim, de gaveta. Mas veja, hoje eu já tenho outra
informação. Ele deu R$ 100 mil e ia dar outros R$ 400 mil em 15 dias.
Detalhe da
comunidade de Brejetuba, local da apreensão.
O cara quem? O Élio
Rodrigues?
Como você sabe? Ah, claro. Já está na internet por
conta dos advogados… Sim, o comprador foi o Élio Rodrigues.
Vocês chegaram a
bater um papo com esse Élio? Ele é quente ou laranja?
Cara, ele teve a oportunidade de ser bem assessorado, ele tá com advogado
constituído, é um direito dele. Você tem que jogar a regra do jogo e a regra do
jogo é a democracia legal que diz que ele tem o direito de se defender e
constituir um advogado.
O que o Élio disse
sobre a compra do sítio?
Ele admite a compra, mas tudo o que ele admite não
nos possibilita concluir nada em relação a ele.
Como assim?
Ah, eu perguntei a ele: “Você comprou a fazenda em
dinheiro?”, “Comprei”. “De onde veio o dinheiro?”. “Eu guardo em casa”. “Você
esteve lá?”, “Estive”, “Você conhece algum dos presos?”, “Conheço”, “De onde
você os conhece?”, “Conheço da fazenda”. O que posso fazer diante de uma
afirmação dessa?
E quando o sigilo
bancário dele vai cair na imprensa?
Você tem uma bola de cristal aí?
Que a Polícia
Federal vai pedir eu sei que vai, minha dúvida é quando isso vai cair na
imprensa.
A
minha duvida é quando o banco vai me entregar.
Helicóptero
apreendido. No detalhe, compartimento usado para esconder a droga.
O que ele faz
profissionalmente?
Ele é um empresário de Vitória.
E ele ostenta? Você
acha que ele tem grana para dar meio milhão em dinheiro?
Se a gente tivesse a convicção suficiente para segurar ele, já teríamos pedido
sua prisão. Mas a mecânica do processo penal não é tão simples, nem deve ser.
Você sabe, a polícia, por viver o calor do evento, tende a ser arbitrária e
dura. Por isso, em certos casos, a velocidade lenta do processo penal não é
ruim. Daí a diferença entre o tempo da imprensa e do tempo da polícia
investigativa.
Vocês chegaram ao
Élio antes ou depois da apreensão?
Chegamos ao simples pré-nome Élio antes, e ao Élio qualificado (a saber: quem
ele é e tal) logo depois. Um dia depois.
Como vocês
descobriram que o helicóptero ia pousar naquele instante?
Quando chegamos, como disse, em meados de novembro, um vaqueiro deu uma
informação importante pra gente. Ele disse o seguinte: “Olha, os caras chegaram
aí, compraram a fazenda, se apresentaram como donos, fizeram churrasco durante
dois dias inteiros e ficaram de voltar aqui no dia 23″, que era o sábado. Então,
a gente se estabeleceu nessa região por seis ou sete dias, para fazer
vigilância e observar a movimentação de pessoas que não têm identidade com
aquela área. Já na sexta-feira, dois dias antes da apreensão, começamos a ver a
movimentação de estranhos no local.
Momento da
abordagem com helicóptero da PM dando cobertura para a equipe.
Vocês já tinham
notícia de que a aeronave havia pousado lá em outras vezes?
Não, curioso isso. A gente costuma dizer que a imprensa gera o efeito “facho de
luz”, ou seja, ela ilumina um ator que antes ninguém via. Depois que nós
apreendemos esse helicóptero, já recebi 15 ligações de 15 helicópteros
carregando cocaína. Quer dizer, até prender o primeiro, nunca houve. Depois que
prendemos esse, tem um monte. Não tínhamos noticia de pouso anterior, mas ficou
muito evidente pra gente, em razão da logística da fazenda, que, se fosse o
transporte e entrega de drogas, não poderia ser feita de outra forma. Por que
você compra uma fazenda e não ocupa? Por que paga em dinheiro, por que paga o
dobro do preço? Por que marca um dia para voltar e não está lá exercendo
atividade de agricultor diariamente? Nós temos casos repetidos de aeronaves
transportando drogas em outros estados, apostamos na vigilância e apostamos
bem.
Quantos policiais
estavam envolvidos nessa operação?
Ah… Foram poucos. Fizemos uma parceria com a Polícia Militar local, porque sem
eles não saberíamos andar naquela região. Sem eles o resultado não aconteceria.
Quantos policiais
ao todo?
Eram seis agentes federais e seis PMs.
Em um vídeo no
Youtube mostra que só dava PM no momento da abordagem.
O que acontece é o seguinte: para conquistar o apoio da PM, a gente precisava
colocar eles em evidência. Quem pede tem que oferecer. Nós não somos vaidosos,
entende? Então, o acordo era bem simples: vocês ficam com a notícia e a gente
fica com o resultado do trabalho. Pode capitalizar, pode ficar à vontade, não
tem problema. Eles são de uma cidade pequena, para eles isso era um feito
histórico. Os PMs que participaram também são policiais de perfil baixo, que
não se apegam a isso. Então, na verdade, a operação foi atribuída quase que na
totalidade à Polícia Militar, mas estávamos cientes.
Veículo em que a
droga estava sendo descarregada.
Alguns curiosos da
internet disseram que a rota seguida pelo helicóptero não era bem aquela
divulgado pela PF, pois não bateria com a autonomia de voo da aeronave. O tempo
não é para tanto, que ela estava pesada demais, etc.
O curioso é que quem acha isso não sabe nada! Quando começamos a acreditar que
poderia se tratar de uma entrega de drogas com um helicóptero, fui buscar apoio
aéreo do helicóptero da PM para ajudar os policiais que estavam na vigilância
em terra. Eu falava para eles da necessidade de estarmos a postos muito antes
dos traficantes, mas eles respondiam: “Não dá. Ali, depois das quatro horas da
tarde não tem jeito porque é serra, montanha, tem nuvem, é perigoso”. Eu falei:
“Cara, é que você tá pensando como piloto, como alguém que segue regras, tá
pensando como alguém que pensa em segurança, você não tá pensando como
traficante que chega a ganhar um milhão de reais numa operação dessas”. Então,
quer dizer, os caras da internet não sabem que os pilotos que se dedicam a essa
atividade são malucos, ignoram perigos básicos, carregam combustível dentro da
aeronave…
Mas
o peso dele não influencia?
Influencia, mas nada impede que ele tivesse pontos
de pouso intermediários para isso.
Essa é a dúvida que
todos temos. Esses pontos de pouso intermediários. Suspeita-se de nomes de
muitas pessoas que deram cobertura a esses pousos que ainda não vieram à tona
e…
É possível, mas como te falei, a velocidade da
imprensa não é nossa. O compromisso da internet é o curtir do Facebook e as
piadas nos grupos de WhatsApp. Cadeia não é hotel, é coisa séria. Daqui a uns
dias, os peritos vão me entregar as coordenadas, daí ótimo, beleza, tenho a
coordenada e vou colocar no Google Earth. [Por exemplo] Bateu lá em Bauru.
Porra, meu irmão, eu preciso de uma equipe que vá a Bauru, que vá ao cartório,
que identifique a fazenda. Pode ser um produto de espólio, uma herança, pode
ter herdeiro brigando, o pouso pode ter sido aleatório. Ou seja, nós não
podemos ter aí a irresponsabilidade do cara da internet. E se ele pousou na fazenda
do seu avô, seu avô é traficante, é isso? Muita calma nessa hora, parceiro,
porque a internet não tem compromisso com porra nenhuma, mas eu tenho, meus
colegas têm, o delegado tem! Respondi uma pergunta um dia desses sobre o
deputado [Gustavo Perrella, dono do helicóptero apreendido]. O pessoal falou:
“Porra, a cocaína é do deputado porque o helicóptero é dele!”. Eu falei:
“Caralho, se eu pedir seu carro emprestado, e encher ele de cocaína, você é o
traficante?”. Ou seja, não pode ter esse atropelo, isso atrapalha. A ânsia de
querer inflar uma notícia, julgar alguém, colocar um senador, um deputado no
rolo… Não tenho medo de político não, já prendi vários. Tô cagando pra esses
caras, quero que se fodam. Mas quem vai sentar na frente do juiz e dizer “Foi
ele!” sou eu, serão meus pares. Não pode ter essa pressa não, velho.
Você teve acesso às
mensagens de celular trocadas entre o piloto e o deputado?
Ainda não. É isso que eu estou falando. Para você ver. O deputado vai lá e
fala: “Eu não sabia de nada”. Aí depois ele mexe no próprio telefone e se dá
conta que mandou uma mensagem para o piloto. Daí o que ele faz? Dá outra
declaração desmentindo a anterior, porque ele sabe que na hora que sair o laudo
eu vou ter essa mensagem. Mas se eu mexer nesse telefone antes da autorização
judicial, o advogado vai falar: “Você conspurcou a prova, portanto, ela não
vale mais nada”. Só vou ver essas mensagens quando o perito me entregar o
laudo. Meu compromisso é com a sentença, não com a notícia.
Mas vocês não
chegaram a pegar esse celular nas mãos? Não abriram, viram os números e tal?
Sim, os celulares foram todos apreendidos. Você tem que entender o seguinte: a
necessidade de você obter uma informação é até você obter o que você quer. O
que eu quero? Provar nosso ponto perante à justiça, curiosidade é coisa de
menino.
É louvável tamanha
frieza. Só acho estranho porque a Polícia Civil, no dia a dia, não é tão
disciplinada assim.
Parceiro, é o seguinte: a gente trabalha nesse caso com a Justiça Federal e o
MPF. Se a Polícia Civil lidasse com juízes e promotores federais, ela ia ficar
disciplinada. O que acontece: o cachorro morde no tamanho da porrada do dono.
Então, os juízes federais, no geral, são fodas. Não estou dizendo que a justiça
estadual é pior, mas até em razão do volume absurdo de trabalho que eles têm,
costumam ser mais tolerantes. O importante para nós era prender os caras e
tirar meia tonelada de cocaína do mercado. Isso foi feito. E as respostas? Elas
virão na velocidade da lei, não posso atropelar esse processo. Daí, depois, vêm
as criticas da própria imprensa: “Ah, mas o Tribunal anulou a operação da
Policia Federal inteira”. Anulou porque a gente fez merda, ou seja, não pode
fazer assim velho, tem que ter calma.
Quando vocês
tiveram a notícia que o helicóptero era do deputado?
O piloto falou ali mesmo na hora, ele abriu o jogo e disse: “Olha, eu piloto
para o senador Perrella, ele não sabe que eu estou aqui e vai ficar muito ruim
pra mim”. O colega que estava na condução disse: Foda-se, isso é um problema
seu, não meu.
O piloto estava
armado? Porque eu vi que a chegada foi muito calma, né?
Ninguém estava armado, não teve resistência. Foi muito calmo, cara. Você
imagina que uma operação dessa, desse nível de investimento, 1kg dessa cocaína
custa lá na fonte, no fornecedor, algo em torno de US$14 mil dólares. Isso é
gente que anda de Mercedes. Eu mesmo, em todo momento, nunca apostei no
confronto. Mandamos uma equipe pronta para o confronto, mas nunca apostei.
Qual foi a reação
da equipe quando descobriu que o piloto era funcionário do deputado?
Indiferente. Quem trabalha com entorpecente não é ligado em glamour, velho, não
tem isso. Quem trabalha com entorpecente é farol baixo. O tesão dos caras foi a
carga. O tesão dos caras é “Puta que o pariu, 450 quilos, beleza, tô de pau
duro e feliz”. Eles não têm tesão com mídia, com Fantástico… Não têm tesão por
nada disso. Quando o cara falou de senador, de deputado, eles cagaram, velho,
tão nem aí.
Policiais no momento da apreensão.
Os
presos tinham passagem pela polícia?
Só um, e não é folha corrida grande. Mas o que
acontece nesse tipo de operação: os caras trabalham em células. Quem fornece
não conhece quem transporta, que não conhece quem recebe, que não conhece quem
revende. A vantagem disso é que, quando você pega um, o cara realmente não
conhece o próximo. E qual é a desvantagem desse tipo de estrutura? O
envolvimento de pessoas “não profissionais”. O que causa alarde nesse trabalho
não é nem a droga. Se eu pegasse meia tonelada num caminhão de arroz vindo de
Foz de Iguaçu, ganhava só uma notinha de jornal. O que chamou a atenção desse
caso foi o helicóptero, o tipo do transporte.
E
o dono dele, né…
Sim, aí potencializa.
Quando
sua equipe chegou a Brejetuba para dar o bote?
Seis ou sete dias antes.
E
onde eles ficaram hospedados?
No mato.
No
mato? Dentro de uma casa, numa espécie de acampamento?
Usaram algumas casas para apoio e se revezavam eventualmente na cidade, mas na
vigilância a gente fez acampamento mesmo.
Você
participou da abordagem?
Não, eu estava no controle, estava em Vitória dando todo o apoio. Foram sete
dias de comida de micro-ondas dormindo dentro do trabalho em colchão inflável.
É preciso ter um cara distante para que possa suprir os meios. Os caras estão
lá no mato, ele não tem condição de fazer isso. Então, porra, um colega passou
mal, ficou doente, precisa ser substituído, uma viatura quebrou, precisa de
dinheiro, precisa de armamento, você tem que ter um cara fazendo essa
logística, fazendo isso. Eu fiz isso.
E
como foi a rotina desses seis ou sete dias no mato?
Ah, complicado, né, cara, porque você tem que levar mantimento, tem que levar
água, comida, você não pode cozinhar, leva muito biscoito, muito pão. Mija
dentro de garrafa pet. Quando não pode ser na garrafa, arruma um matinho. Essas
equipes têm que se revezar porque você tem limite de exaustão.
Quantas
pessoas ficaram no acampamento?
Seis nossos e seis deles.
Os
“eles” eram P2?
Só trabalho com P2, não trabalho com tropa regular.
Por quê? Vocês tem
algum tipo de objeção para trabalhar com a Polícia Civil?
Não, nenhuma. Trabalho com vários deles, mas nesse caso a preferência é de
natureza doutrinária, não de natureza ideológica. A Polícia Militar, apesar de
ser mal afamada por ser militar, tem uma disciplina que a Polícia Civil não
tem. Para esta ação, a P2 era a melhor opção, quando disse que não trabalho com
tropa regular me refiro ao policiamento ostensivo que a PM faz com os homens de
farda, a P2 é uma unidade especializada. E isso vale para qualquer polícia.
Como
vocês descobriram que o helicóptero estava chegando? Viram ele se aproximar?
Como disse, nós tínhamos a referência do peão, que
falou: “Eles disseram que vão voltar aí por volta do dia 23, 24″. Ele deu uma
data aproximada. A gente não sabia muito bem o que ia acontecer. Se a droga
viria de carro, cavalo, helicóptero… Terrestre a gente já sabia que não ia ser
porque a região não permite isso. Havia uma única via de acesso… Não faria
sentido. Para o cara levar a droga ali por terra, ele teria que se complicar,
não se descomplicar. Porque ele teria que sair de uma rodovia federal para uma
estadual e para uma vicinal… O caminho não é esse. O caminho é de uma vicinal
para uma BR. Então, a gente não sabia muito bem o que ia acontecer, mas a gente
sabia que não ia ser por terra. E se fosse por terra, nossa estrutura estava
pronta para asfixiar.
Com
12 pessoas?
Era o suficiente. Com 12 pessoas você monta uma
estrutura de observação e mais duas ou três equipes de intervenção com muita
tranquilidade.
E
que tipo de armas essas equipes de intervenção usavam?
Todas. Desde o armamento não letal, das granadas de
luz e som, passando pelas pistolas e chegando aos fuzis. Não sabíamos quem era
o inimigo, levamos tudo.
Quem
eram as pessoas que estavam aguardando a chegada da droga em solo, no carro
branco?
Era um garoto da área, de nome Everaldo, e um carioca de nome Robson.
E agora, Pacheco? O
trabalho se encerra no dia 17. Tá tudo redondo?
Redondinho. Mas, cara, sinceramente, considero essa uma operação amadora. A
forma como eles montaram a logística chamou atenção, com gente graúda seria
mais sofisticado. E veja a chegada deles na região — é uma região de matutos.
Os caras chegaram chamando muita atenção. Porra, chegaram com dinheiro em
bolsa, pagaram valores fora de mercado. Fizeram churrasco, encheram de mulher.
É uma sociedade pacata, o cara ali casa com 16 anos. Aí você faz um churrasco e
leva um monte de mulher para lá? Chama atenção. Acho que a operação foi muito
tosca para envolver um cara desse calibre.
Isso não está
estranho, Pacheco? Afinal, é um investimento muito grande para três peões que
parecem nunca ter feito isso na vida.
Não tenha dúvida, o problema é que esses caras trabalham em células. Fazem
tarefas seccionadas para que, justamente, a gente tenha dificuldade em
compreender todo o conjunto.
Fazendo
uma especulação bem rústica, vocês já chegaram a cogitar a hipótese de que o
piloto e os garotos foram colocados ali para serem presos?
É possível. Mas nossa experiência deixa claro que
tem muito mais à frente e muito mais atrás, sim. Só temos que focar no que a
gente tem em mãos nesse momento.
O
carro estava no nome de quem?
Ainda não parei para olhar. Mas acho que é do Robson, um dos presos.
E
eles falaram para onde levariam a droga?
Imagina…
Eles
não abriram o bico?
Não, nada. Na Polícia Federal, o cara não apanha, não toma calor. Por favor,
não estou dizendo que nas outras polícias se faça isso, mas aqui não se faz.
Ah,
para com isso Pacheco…
Porra, cara, não apanha. Eu vou bater no cara? Tenho 20 anos de polícia, tenho
dois filhos para criar, você já viu o contracheque da polícia, tem escrito lá
auxílio-cacete? Não é uma questão de ideologia, é uma questão de inteligência.
Não vou ficar dando porrada nos outros, por quê? Para ser demitido e depois o
Ministro da Justiça tirar onda e dizer que não tolera isso?
Uma das casas
usadas como acampamento pela equipe.
Sabe o que
levantaram na mídia, Pacheco?
Que o Alexandre, o piloto, tem uma escola de aviação
aqui em São Paulo. Disseram que o patrimônio dele deu um salto gigantesco em um
ano.
É o que eu tô te falando. Defendo totalmente a liberdade de expressão, o
caralho a quatro de asa roxa, porra! Mas a imprensa não tem compromisso com
porra nenhuma, velho. O cara vai lá no Campo de Marte, filma uma escola de
aviação, conversa com o porteiro, o porteiro diz que aquele patrimônio é enorme
e ele joga isso na televisão. Nós não podemos fazer isso. Eu vou ter que falar
na frente de um juiz, na frente de um promotor. Não posso fazer isso. Agora a
Band foi lá, filmou, falou assim: “A escola do cara vale 200 milhões de
dólares”. Eu não, preciso provar isso.
Ah,
para com isso, sério, cara?
Você vai encontrar o flagrante na internet porque os advogados já deram para a
Globo, já deram para todo mundo. Isso é informação pública, não tem por que eu
te esconder isso.
Mas eles só mostram
aquilo que interessa a eles, o que normalmente não me interessa.
Mas eu tô te falando, cara. Para mim, quando é prisão em flagrante, o tempo
urge. Porque se o cara, por exemplo, foi numa lanchonete, foi num banco ou foi
num hotel, esses registros vão se perder. Em um pequeno hotel, se ele tiver uma
câmera de vigilância, ele grava cinco dias.
A região de Afonso
Cláudio tem tradição em ser rota de tráfico?
Tivemos um caso antigo nos idos de 2003, 2004… Realmente, não me lembro muito
bem. Prendemos uma gerente da Caixa Econômica que tinha envolvimento com o
Fernandinho Beira-Mar. Então, a cidade não tem um histórico com a traficância
de entorpecentes.
Essa foi a maior
apreensão que a Polícia Federal fez?
Não. A Operação Monte Perdido que fizemos no Rio de
Janeiro apreendeu 750 quilos na Austrália, teve uma acho que em 1997 que deu
umas sete toneladas em Tocantins. Aqui no Espírito Santo foi a segunda maior
apreensão de toda historia. A maior foi de 600 e poucos quilos, 630 quilos, em
1996, e agora nós temos essa aí totalizando 445 quilos.
A
imprensa divulgou que já foi descartada a participação dos donos do helicóptero
na apreensão da droga. É isso mesmo?
Já naquela época, tínhamos um monte de detalhes que
os excluíam da situação. Agora, além disso, existe um conjunto enorme de
mensagens de celular (saiu ontem o laudo, mas não vamos falar delas, OK?) entre
o piloto do deputado e outro piloto. Eles conversam sobre o pagamento das horas
ao deputado, que acertaram ser apenas 4h, visto que ele disse que iria até São
Paulo e voltaria. Seriam dois mil reais a hora. Ocorre que já estavam voando há
quase 28h e combinam então de enganar o deputado. Ou seja, o deputado pode ter
envolvimento em ilícitos? Pode. Mas com o conteúdo destas conversas fica
absolutamente excluída qualquer chance de ligá-lo a este evento.
Quais são as
perguntas às quais você ainda não teve resposta?
De quem é a terra eu já sei, mas por que ele a comprou, qual o real desejo de
comprar essa fazenda? É coincidência alguém ter comprado uma fazenda de forma
lícita, e uma aeronave carregada de entorpecentes pousa nela dias depois? De
quem era essa droga? Quem são os fornecedores? Quem são os financiadores dessa
operação?
Muitas perguntas…
Vou te dizer, essas perguntas não vão ser
respondidas, e não devem ser respondidas, porque você inviabiliza o processo
penal. Porque o processo penal trabalha com verdade real, não fui eu quem
inventou isso. Então, não adianta você querer expandir e ficar aberto. Se falar
assim, “Não, doutor me espera, porque eu vou procurar quem vendeu a droga lá no
Paraguai, na Bolívia, no Peru, sei lá onde foi”. Eu vou achar? “Então, por que
você vai abrir isso? Não me interessa.” E o direito penal trabalha com conduta
fechada.
Qual
a conduta atribuída aos pilotos?
Sim e acabou! Saiu daí, é curiosidade policial. Nós vamos atrás dessas
respostas? Vamos, mas não dentro desse processo.
Fonte: http://jornalggn.com.br/fora-pauta/helicoptero-do-po-a-historia-completa
acessado em 18/01/2014